
Clássico sob pressão antes do apito: a nomeação que incendiou o jogo
O Atlético-MG x Cruzeiro das quartas de final da Copa do Brasil começou quente muito antes do primeiro toque na bola. A escolha do árbitro Ramon Abatti Abel, catarinense com selo FIFA, foi contestada publicamente pelo Cruzeiro, que apontou um histórico de decisões polêmicas envolvendo jogos de times mineiros. A Comissão de Arbitragem da CBF confirmou a escala em audiência pública, e a temperatura do clássico subiu de imediato.
O incômodo celeste veio do acúmulo de episódios que ficaram na memória do torcedor. Em 2023, na Arena MRV, um gol de Diego Costa para o Botafogo contra o Atlético-MG foi anulado por impedimento após sinalização do assistente. O Botafogo sustentou que a bola desviou no zagueiro Maurício Lemos, o que, se caracterizado como “jogada deliberada” do defensor, anularia o impedimento. A equipe de arbitragem manteve a marcação por interpretar o toque como desvio não intencional – detalhe técnico que faz toda a diferença na regra.
Nesse contexto, a confirmação de Abatti para o clássico mineiro desta quarta (27), às 19h30 (de Brasília), na Arena MRV, carregou o ambiente de desconfiança. Clássico decisivo, estádio cheio e disputa por vaga valendo milhões em premiação. O roteiro perfeito para qualquer lance duvidoso virar discussão nacional.
A CBF defende que as escalas seguem critérios de desempenho, disponibilidade e avaliação técnica ao longo da temporada. Clubes, porém, costumam pressionar quando identificam árbitros associados a partidas traumáticas. É o jogo dentro do jogo: de um lado, a tentativa de preservar a isenção; do outro, a busca por minimizar riscos em confrontos de alto impacto esportivo e financeiro.
Paulo Pelaipe, diretor executivo do Cruzeiro, verbalizou a insatisfação com a escolha, citando o “histórico de controvérsias”. A manifestação ecoou nas redes e nos bastidores. Do lado atleticano, o foco foi em baixa voltagem antes da bola rolar, mas a pressão por decisões rápidas e assertivas no gramado era óbvia – especialmente em um duelo em que cada detalhe pesa.

O lance aos 4 minutos, o papel do VAR e a leitura do jogo físico
O momento-chave veio cedo: aos 4 minutos, Cuello recebeu na área, se colocou à frente de Villalba e caiu após o contato. O Galo pediu pênalti, a Arena MRV reagiu, mas Abatti mandou seguir. O VAR revisou com as câmeras disponíveis e não viu erro claro e manifesto para mudar a decisão de campo. Seguiu 0 a 0 – e a temperatura, claro, aumentou.
Na transmissão do Prime Video, a ex-árbitra e comentarista Ana Paula Oliveira sustentou a decisão: houve contato, sim, mas dentro de uma disputa normal, comum em jogadas de proteção de bola. Na interpretação dela, Cuello se antecipou ao zagueiro e houve choque de corpos sem força ou conduta imprudente suficiente para caracterizar infração. É esse o ponto que baliza o protocolo do VAR: só intervenções quando há evidência clara de erro, não em lances cinzentos.
Esse tipo de jogada expõe um debate recorrente no futebol brasileiro: até onde vai o “jogo físico”? A regra permite contato, desde que não exista empurrão com uso indevido de braços, carga por trás desproporcional ou ação temerária. Quando o atacante protege a bola e o defensor tenta recuperar o espaço, os árbitros costumam avaliar intensidade, origem do choque e a disputa pelos mesmos metros do campo. Se tudo se encaixa em jogo de corpo, a recomendação é deixar seguir.
A leitura do VAR também tem limites práticos. A cabine checa ângulos, velocidade real e câmera lenta, mas a mudança de decisão só ocorre quando a imagem derruba a percepção do árbitro em campo. Se o lance comporta interpretação – e não há ângulo conclusivo –, prevalece o que foi marcado no gramado. Foi o que aconteceu no clássico: checagem feita, jogo retomado.
O pano de fundo é mais amplo. A Copa do Brasil reúne maioria de jogos decididos em detalhes, e a margem de erro é mínima nas fases agudas. Um pênalti marcado – ou não – muda o rumo de um confronto que vale vaga, calendário e dinheiro. Por isso, a escolha dos árbitros vira tema quente, ainda mais em rivalidades históricas como a mineira.
Nos bastidores, clubes cobram previsibilidade: querem entender por que determinado nome aparece em certo jogo e como pesam os critérios de avaliação. A CBF, por sua vez, defende evolução de nota técnica, preparo físico e desempenho com VAR. Há também um esforço para blindar os profissionais em jogos de alto risco, algo que nem sempre resiste à ebulição de um clássico.
O caso do gol anulado do Botafogo em 2023 ajuda a explicar a tensão atual. A diferença entre “desvio” e “jogada deliberada” do defensor muda o resultado da checagem de impedimento. Se o zagueiro apenas rebate sem controle, a posição irregular do atacante se mantém; se ele tenta jogar a bola de maneira consciente e falha, o impedimento cai. Em tempo real, essa linha é fina – e é exatamente por isso que vira polêmica prolongada.
No campo, o Atlético-MG tentou acelerar as ações pelos lados, enquanto o Cruzeiro apostou na recomposição rápida e nas transições curtas para não se expor. Qualquer choque na área virava grito por pênalti. O árbitro manteve o padrão: diálogo curto, critério de contato estável e checagens discretas do VAR. Nada de on-field review naquele primeiro lance – a cabine entendeu que a imagem não mudaria a decisão.
A pressão externa seguiu. Nas redes, torcedores de ambos os lados alternaram cobranças e ironias: para atleticanos, houve pênalti em Cuello; para cruzeirenses, o jogo foi de contato normal e o árbitro acertou ao não marcar. Esse ruído faz parte do pacote, mas também mostra como decisões precoces moldam a narrativa de todo o confronto.
Em termos de condução, a comissão de arbitragem costuma avaliar consistência, controle emocional e aplicação de vantagem. No clássico, o árbitro buscou punir apenas o que destoava do padrão do jogo, sem fatiar a partida em faltas de baixa intensidade. Essa linha agrada quem prefere fluidez, mas irrita quando a equipe se sente prejudicada por um contato não marcado.
É bom lembrar: o duelo foi apenas a primeira perna das quartas. A volta, no Mineirão, promete clima igual ou maior, com a arbitragem novamente sob holofotes. O recado para os times é evidente: minimizar o risco de lances interpretativos dentro da área e controlar a reação a cada contato pode ser tão decisivo quanto uma jogada ensaiada.
Até lá, a discussão segue em duas frentes. Nos bastidores, a cobrança por escalas que reduzam ruídos em clássicos; em campo, a expectativa de que o VAR siga o protocolo de interferir só quando o erro salta aos olhos. Entre uma coisa e outra, o torcedor faz o que sempre faz: revisita lances, recorta frames, caça ângulos e alimenta o debate que, no Brasil, nunca termina no apito final.